domingo, 4 de abril de 2010

Sonho



Coisa rara, sonhei com você. Era noite, era dia, era luz branca numa escada. Era um sonho. Igual a todos, havia muita luz e pouca também . Você estava ali, nos degraus de cima e eu logo abaixo. A luz branca estourada, uma forte contra luz, e a imagem vinda do rosto era a mais linda e distante que a luz impedia de ver.

Sonhei que tinha malas, objetos, caixas. Era a imagem de alguém que chegava de viagem. E perguntava coisas que não entendia. Sabia que podia respondê-las, mas um sonho, lembra Calderón de la Barca, é um sonho. Responderia depois, com calma, quando estivesse na cama pedindo calma, vamos devagar, despacito, sinta cada minuto desse instante, do fluir do tempo em nossas vidas. Sonhei como há muito não sonhava.

Depois, acordado, vi que era outro o sonho. O dia de muita luz convidava para a piscina do club e lembrava as aulas de natação. Os olhos agora vêm o quarto, o guarda roupa, o pequeno sofá ocupado por livros, papéis, máquinas e a mesa não menos ocupada por todo tipo de objetos. Carrego um prazer no corpo quando levanto da cama, a alma é leve e o sorriso vem espontâneo.

Calderón diz que a “a vida es un sueño y los sueños, sueños son”. Sonhando ou acordados, estamos sempre no mistério da existência. Mas, viver você é melhor que sonhar.

domingo, 28 de março de 2010

In Natura



Mas que bobagem.
É assim que é possível te amar.
Abrindo tuas pernas e cheirando teu sexo.
Sentindo teus sabores e lambendo tua boca.

Ah, é porque não tomou banho ainda.
Que sinto esse cheiro azucre. Ocre azulado.
Ainda lavado com o sabão
Da Natura. Mas vc é pura!

Ah, a lasanha que vamos comer.
Eu preferia uma galinha caipira
Comprada no site das galinhas
Azuis ocre sem alergia que espirra.

O último verso foi forçado
Para rimar a linha que faltava
Entre tuas pernas ainda abertas,
in Natura.

Vou te comer. Como um lobo,
Como comida a quilo, quatrocentos
e sententa gramas.
Trezentas e sedentas alianças.

Ah, vai te lavar, não vai te lavar
Vou te levar para a cama
Vou comer teu desejo
Te lavar com minha lama.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Nem mesmo



Eu não poderia escrever os versos mais tristes essa noite.
Escrever, por exemplo, que meus olhos apagam com as estrelas,
que o Haiti chora milhares de mortes, negros como a noite e a dor de um dia raro e iluminado.

Não, não posso escrever os versos mais tristes essa noite.
É verdade, ela amou-me e ainda a amo loucamente.
Como não amar o sorriso, os movimentos do seu corpo, a poesia da sua existência? Pensar que nunca a tive. Sentir o que ainda sinto.

Nem mesmo poeta sou. Os versos não são meus, só a dor desses sentimentos.
O amor é essa chuva de risos ocultos que ouço zombando de mim.
Do ridículo de dizer que amo, que sonho com as mãos que acalentaram minha dor. Pensar que não posso vê-la caminhando na rua, comprando perfumes e flores.

De outro. Será de outro? E os meus beijos loucos, de vinho e sabor de filosofia? A cumplicidade íntima dos meus desejos, nas suas dobras mais escondidas, ainda ocupam a dor da minha desesperança.

Mas, ainda assim, seria impossível escrever os versos mais tristes essa noite.
Por uma razão simples. Ela ficaria ainda mais triste, sofreria ainda mais com palavras tristes, quando estivesse tomando vinho e rindo tristemente do meu amor.

Não, não posso nem mesmo escrever versos. Só mesmo sorrir, só mesmo sair pela noite
Sem estrelas, nas ruas desertas do Haiti.

domingo, 21 de março de 2010

Topologias paraconsistentes


O arco da promessa está permanentemente tenso. Promessas e indagações cercam, por todos os lados, ângulos e ruelas, o destino humano. A poesia, pode-se arriscar, é a força que mantém esse arco tenso. O arco e a lira de Artemis, Diana, Heráclito e Octavio Paz lançam dardos e poesias para todos aqueles tocados por esses sonhos e essas promessas. O arco é um link e a promessa é um texto hipermidiático, ambos, plenos de palavras, imagens, sons e objetos tridimensionais, habitando topologias paraconsistentes. Sentidos, como placas de trânsito, apontam galáxias e mundos desconhecidos. Conversas apuradas e palavras afiadas brilham no fundo dessas telas, desses topos, dessas esperanças. Para além do Facebook, existem lugares inóspitos, sonhos fugazes e loucuras inimaginadas. O envelhecimento nunca é precoce para quem não tem pressa, urgência de viver. A Universidade, as Academias procuram respirar pelos poros que ainda lhes restam e abrem suas portas e janelas aceitando seivas que brotam em recantos guardados. É preciso respirar, é preciso navegar ainda que os departamentos, os corredores e os burocratas pretendam asfixiar totalmente os sonhos e as esperanças. Ainda que pretendam, mesmo docemente, matar as fantasias que insistem em permanecer.

terça-feira, 16 de março de 2010

Poesia dos outros




"O poema não devia pertencer ao poeta, mas a quem dele necessita". No livro de Antônio Skármeta O Carteiro e o Poeta há um diálogo no qual o carteiro é censurado pelo poeta por usar os seus poemas para conquistar a amada. O diálogo é primoroso e Skármeta explora o tema de forma comovente.

Muitas vezes, caro leitor, temos que nos valer da poesia dos outros para dizer o que sentimos, o que pensamos. O poema abaixo é do espanhol Pedro Salinas e traduz, poeticamente, o que sinto.

Qué alegría, vivir
sintiéndose vivido.
Rendirse a la gran certidumbre, oscuramente,
de que otro ser, fuera de mí, mui lejos,
mi esta viviendo.

Que hay otro ser por el que miro el mundo
porque me esta queriendo con sus ojos.

domingo, 14 de março de 2010

Palabras para Julia




José Agustín Goytisolo é um catalã cuja poesia, musicada por Paco Ibañez, foi conhecida e amada por milhões de pessoas em todo mundo. A parceria entre poesia e música, como em muitos outros casos, resulta em riquezas para a cultura universal. Esse encontro foi uma dessas mais preciosas jóias.

Goytisola perdeu a mãe durante a guerra civil espanhola (1936-1939) num bombardeio das forças franquistas apoiadas por Hitler. Sua mãe se chamava Julia Gay. O mesmo nome dado a sua filha.

Palavras para Julia é um poema dedicado a sua filha; a música de Paco Ibañez é a luva perfeita que veste a beleza dessas palavras.

Também de Goytisolo é o poema abaixo, Érase una vez.

sábado, 13 de março de 2010

Lobito



Ah, los niños, la poesia y mis sueños de não te perder!